Trabalho remoto funciona? O que disse o CEO do iFood e o que vivi na prática

Trabalho remoto funciona? O que disse o CEO do iFood e o que vivi na prática

CEO do iFood defende o remoto. Analiso sua fala, trago dados, minha experiência e um contraexemplo real de quando a estratégia falha.


Por que o trabalho remoto ainda divide opiniões?

O debate sobre trabalho remoto voltou a aquecer. Ultimamente, vemos um grande movimento de big techs obrigando o retorno aos escritórios, seja 100% presencial ou em modelo híbrido, como Google, Microsoft e Tesla. No entanto, alguns líderes desafiam essa narrativa. Entre eles está o CEO do iFood, Diego Barreto, que em uma entrevista recente destacou que não há evidências claras de que o home office seja prejudicial e pontuou o sucesso que sua empresa tem alcançado desde que adotou o modelo. Eu, como parte desse ecossistema e trabalhando remoto há alguns anos, quero analisar as falas do Diego Barreto, trazer dados de pesquisas e dividir minha experiência pessoal.

Veja abaixo a entrevista:

CEO do iFood's falando sobre trabalho remoto.


O que disse o CEO do iFood

A posição do Diego é clara: o iFood é remoto por padrão e o escritório é opcional.

“A empresa é de trabalho remoto… só vem quem quer.”

A crítica dele ao modelo presencial é objetiva:

“Cadê o número? Me mostra que a produtividade é melhor no presencial. A empresa nunca cresceu tanto, nunca inovou tanto como nos últimos 3 anos… de trabalho remoto.”

Para ele, o vetor central não é regra, é cultura baseada em confiança:

“Se você cria uma cultura baseada em regra, na prática você não tem cultura, você tem um conjunto de regras.”

Ele também descreve como o iFood opera para reduzir política e viés de proximidade: comunicação assíncrona e por vídeo, decisões registradas e menos dependência de salas de reunião.

“O nível de trabalho assíncrono que eu tenho é enorme… a maior parte da comunicação é por vídeo. Esse relacionamento ‘político’ existe muito menos.”

Do ponto de vista de talento e retenção, ele aponta o efeito da flexibilidade geográfica. Cerca de 40% do time mora a mais de 100 km de São Paulo; há pessoas no Brasil e fora (Noruega, Portugal, França). Salários são padronizados por função, o que, combinado ao custo de vida mais baixo em outras cidades, eleva a satisfação e dificulta a perda desses profissionais.

“Qual a chance dessa pessoa não lutar para ficar nessa empresa? Zero.… É muito mais fácil atrair talento quando você não está limitado regionalmente.”

Ele reconhece que o escritório existe (há campus e expansão), mas reforça que não há “dia obrigatório” nem “modelo híbrido de calendário”. A mecânica de gestão muda: avaliação baseada no tangível (entrega, mérito, promoções distribuídas), não em presença física.

“Quando você pega os números de promoção, mérito e desenvolvimento, eles estão bem distribuídos entre quem frequenta mais ou menos o escritório.”

Resumo em uma frase: para o iFood, o modelo remoto funciona porque o sistema foi desenhado especificamente para isso — confiança > regra, assíncrono > reunião, impacto > presença.


O que dizem as pesquisas

Há pesquisas recentes, como a realizada por (Nicholas Bloom, 2024) Stanford, que por meio de um ensaio controlado em call centers mostrou que o modelo híbrido (2 dias no escritório) manteve a produtividade e promoções, além de reduzir o turnover.

Levando em consideração também o que pensam os trabalhadores que compõem o mercado de trabalho atual, a 31ª edição do “Índice de Confiança Robert Half” (ICRH) divulgada em abril deste ano indica que, embora o modelo presencial tenha crescido para 35% das empresas, aproximadamente 77% dos funcionários preferem o trabalho híbrido e estão mais dispostos a trocar de emprego para ter ao menos um trabalho parcialmente remoto.

Há estudos também como o do Boston Consulting Group, o BCG que evidenciam o crescimento de empresas “totalmente flexíveis” (remotas ou híbridas), que aumentaram as vendas em 21%, quase quatro vezes mais rápido do que empresas com força de trabalho presencial ou híbrida mais restritiva, que registraram um crescimento de apenas 5%.

Como disse o CEO do iFood, faltam números que comprovem a ineficiência do trabalho remoto bem estruturado. Há alguns fatores que podem explicar o pessimismo do mercado atual, mas uma coisa é certa: a contratação de talentos, o aumento da produtividade e a satisfação do funcionário são maiores em empresas que flexibilizam, pagam salários justos e mantêm cultura e processos bem estruturados.


Minha jornada: remoto como divisor de águas

Em 2017, no auge do modelo presencial, muitas empresas de tecnologia começaram a usar o home office como benefício competitivo. Era comum oferecer 1 ou 2 dias de trabalho remoto por semana para atrair e reter desenvolvedores em meio à disputa por talentos. Ou seja, não é novidade para as empresas os benefícios que a flexibilidade traz na produtividade, na qualidade de vida do funcionário e, consequentemente, na retenção de talentos e nos resultados positivos.

Lembro que dentro de mim já ardia a vontade de trabalhar 100% de casa quando essa discussão começou a surgir com mais força em meados de 2018. Eu sonhava em melhorar minha qualidade de vida, deixando de perder tempo com trajetos, ônibus e metrô lotado que precisava enfrentar todos os dias. O trabalho nunca era próximo da minha residência, já que as empresas, como na maioria dos casos, estavam sempre localizadas em centros comerciais ou regiões mais caras da cidade, o que tornava inviável mudar de casa para morar perto da empresa.

Cheguei a considerar uma vaga 100% remota no regime PJ, para a qual fui aprovado, mas por outros motivos acabei recusando. Pouco depois, a pandemia obrigou todos a adotar o modelo remoto, que deixou então de ser exceção.

De lá para cá, atuei remotamente em empresas de diferentes países, fui realocado para a Europa, onde ainda assim trabalhava para uma empresa no regime remoto, indo ao escritório apenas quando tinha vontade. Há dois anos voltei ao Brasil e hoje trabalho remotamente para uma empresa americana. Não cogito mais o presencial como opção.

O impacto foi profundo. Antes, minha filha mais velha mal me via: eu saía cedo, chegava tarde, e ela já estava dormindo. Hoje participo do dia a dia dela, acompanhando de perto cada fase. Minha saúde também mudou: vou regularmente à academia do prédio, preparo refeições em casa e mantenho uma rotina mais equilibrada. Além disso, minha carreira ganhou uma dimensão global, já que o modelo remoto abriu portas em mercados fora do Brasil.

Para mim, o 100% remoto não é só escolha: é parte de quem sou como profissional e pai.


Quando o trabalho remoto não funciona

Ao mesmo tempo, já presenciei uma situação diferente. Em uma empresa pequena em que atuei, houve um movimento intenso de contratações remotas espalhadas por diversos países. A ideia parecia ótima: ampliar o alcance e diversificar o time.

Na prática, a maioria dessas contratações não se sustentou. Problemas de alinhamento, dificuldades de produtividade e falta de integração foram frequentes. Em resposta, a empresa mudou de rota: optou por criar hubs presenciais em alguns países estratégicos, onde o modelo predominante voltou a ser de escritório, com apenas alguns dias de flexibilidade.

Essa experiência me mostrou algo importante: não basta contratar remoto. É preciso processos, rituais e cultura desenhados especificamente para esse formato. Não dá para tentar aplicar a lógica de uma empresa tradicional e esperar que funcione.

Vale observar também que o porte da empresa influencia bastante. Organizações menores, ainda em fase de amadurecimento, tendem a sofrer mais com o modelo remoto porque não possuem estruturas bem estabelecidas ou ferramentas adequadas. No presencial, essas fragilidades acabam sendo compensadas pela proximidade física, mas no remoto ficam muito mais evidentes.


Como fazer remoto dar certo

Com base em vivência e pesquisas, alguns fatores são determinantes:

Mensuração de resultados: resultados precisam ser medidos em vez de presença, com OKRs claros, métricas de fluxo e feedbacks regulares.

Comunicação assíncrona: a comunicação deve ser assíncrona por padrão, com registros acessíveis e decisões documentadas.

Rituais de conexão: é essencial criar rituais de conexão — como 1:1s, demos e tech talks — e garantir janelas mínimas de sobreposição de horários para reduzir fricções entre fusos.

Transparência nas promoções: outro ponto crucial é a transparência nas promoções, com critérios claros e comitês de avaliação.

Onboarding estruturado: o onboarding remoto deve ser estruturado, com buddy, plano de 30-60-90 dias e mapa de stakeholders.

Saúde e ergonomia: por fim, saúde e ergonomia precisam ser prioridade: pausas, limites claros e equipamentos adequados são essenciais para que o colaborador desempenhe bem de casa.


Trabalho remoto: confiança vale mais que regras

Concordo com o CEO do iFood em pontos essenciais: cultura > regra, impacto > presença e comunicação assíncrona como motor de eficiência. Minha posição pessoal é clara: sou defensor do 100% remoto. Não por teoria, mas porque vivi na pele os ganhos em qualidade de vida e carreira.

O remoto não é panaceia nem vilão. É um sistema sociotécnico que precisa de confiança, métricas e processos para funcionar. Quando improvisado, pode falhar. Quando bem desenhado, muda vidas.

E você? No seu time, o remoto funciona bem? Se não, o que anda travando: processos, fuso ou gestão?